quarta-feira, 11 de novembro de 2009

OS JOVENS

“Primeiro foi a minha filha, a Maria, já com mais de 20 anos. Havíamos combinado de jantar juntos, quando ela me liga:

- Mudança de planos. Vou ao cinema com umas amigas. Quer ir junto?

Não, eu não queria, queria sair sozinho com ela, matar as saudades, trocar abobrinhas. Digo que fica para outro dia. Ela insiste.

- Vamos, pá. Vai ser bom. Vai o pai de uma amiga minha. Vocês podem ficar brincando juntos.

Entenderam a sutileza da fala dela? Estava me devolvendo todas aquelas vezes em que eu insistia com ela (quando ela era uma criança) para sair com os meus amigos e jogava na cara dela: ele tem uma filhinha da sua idade, você pode ficar brincando com ela.

Só rindo e aceitando. E entendendo quantas vezes ela não saiu comigo diante de tal argumento, tendo de ficar brincando com a filha de alguém. Sem reclamar, na maioria das vezes.

Pois no domingo foi a vez do irmão dela, o Antonio. Estávamos na casa do Mateus (aquele de segunda-feira) fazendo uma visita pelo nascimento do Samuel. Todo mundo bebendo, menos eu. Quero ir embora, dou um toque no meu filho e ele me solta esta:

- A saideira! (e sorrindo para mim) Lembra?

Lembrava, claro. Quantas e quantas vezes, coitado, ele ainda pequeno, querendo ir dormir e eu com os meus amigos pedindo que ele esperasse a saideira. E a saideira, como todo mundo sabe, são (pelo menos) três garrafas.

O interessante das gozações dos dois pra cima do velho pai é que aconteceu um fenômeno engraçado nas nossas relações. Hoje, todos adultos, eles são amigos dos meus amigos e eu dos amigos e amigas deles. Nivelamos na idade e nas amizades. Fui ao cinema e fiquei brincando com a pai da amiga da Maria e esperei várias saideiras do Antonio e dos meus amigos.

E estes dois casos fazem a gente pensar e rever a maneira como educamos os nossos filhos, algumas vezes baseados nas nossas necessidades e nossos momentos, colocando as crianças dentro deles. E eles esperaram, calados e submissos (até certo ponto), para dar o troco. E deram com humor e amor.

Quantas coisas a gente não deve ter dito para eles, sem pensar muito no que eles achavam daquilo? Quantos momentos não impusemos, sem pensar neles?

Ainda bem que eles levaram tudo isso numa boa.

E, por falar no nascimento do Samuel Shirts, outra filha do Mateus, igualmente Maria, mandou um e-mail para todo mundo participando a efeméride.

Hoje, com 12 anos, referindo-se a mim, no texto, disse “O Prata, que um dia foi meu padrinho”. Um puxão de orelhas no padrinho que achava que depois dos 10 ela não fosse mais dar bola para este negócio apadrinhamento. Ledo engano. E, pensando bem, tenho sido mesmo um mau padrinho. É que eu fico achando, afilhada Maria, que vocês vão mudando enquanto crescem. Mas parece que não. Vocês, você, o Antonio e a minha Maria, continuam nos vendo do mesmo jeito, tenham a idade que tiverem. E esperando o momento de retribuírem, com humor e carinho, os nossos erros do passado.

Que vocês me desculpem se fui tão autoritário num passado ainda recente para mim. E que continuem sempre a me darem toques. Somente assim vamos manter vivos o carinho, o respeito e o amor entre nós.

Obrigado por existirem. E tomem tantas saideiras quanto quiserem. Que eu estarei sempre ali do lado, esperando, vendo vocês crescerem e eu virar criança outra vez. Obrigado por existem e crescerem ao meu lado.”

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