domingo, 1 de novembro de 2009

LIVROS ALBERTO VILLAS




O escritor Alberto Villas já publicou 4 livros e está prestes a concluir o quinto.
Suas obras são:
O mundo Acabou (2006)
Afinal, o que viemos fazer em Paris? (2007)
Carmo (2008)
Admirável mundo velho (2009)

MISSÃO NÚMERO SETE

OLÁ PESSOAL,
APROVEITEM O FERIADO PARA FAZER O PARA-CASA DE GTD....HEHE

A MISSÃO PARA ESSA SEMANA É: ELABORAR UMA PERGUNTA BEM CRIATIVA E INTERESSANTE PARA O ESCRITOR E JORNALISTA ALBERTO VILLAS - O NOSSO AUTOR DESSA SEMANA!

APROVEITEM A OPORTUNIDADE DE PODER "DIALOGAR" COM UM ESCRITOR...

MÃOS-À-OBRA!

SARA VILLAS

ILUSTRE PASSAGEIRO

Ilustre Passageiro
- Senhores passageiros do vôo 3919, das 13 horas, com destino a São Paulo, embarque imediato no portão 5.
Eu que estava ali entretido com a leitura da revista Margem Esquerda, mergulhado no artigo de Ricardo Antunes sobre a lógica destrutiva na era do extremo irracionalismo, fechei rapidamente a publicação de estudos marxistas, e me dirigi ao tal portão 5 do aeroporto Santos Dumont. O sol temperado de maio deixava o céu da cidade maravilhosa ainda mais azul e radiante.
Já dentro do avião, devidamente instalado na poltrona 9-D, voltei à leitura da Margem Esquerda. De repente, fui surpreendido por uma voz nada familiar.
- Excuse-me!
Era o escritor anglo-indiano Salman Rushdie, em carne e osso, ao vivo e em cores. Durante alguns segundos, custei a acreditar.
Desde 1989, quando o regime fundamentalista do Irã decretou a morte do autor dos Versos Satânicos, venho acompanhando a vida de Rushdie. Durante muitos e muitos anos segui de longe a agonia de um ser humano marcado para morrer. Como poderia alguém viver refugiado num canto qualquer de Londres, sem poder colocar o nariz para fora de casa? Ficava pensando com os meus botões como era o dia-a-dia daquele homem enorme, envelhecido pelo tempo, com seus olhos de peixe morto, marca registrada dos indianos.
Como poderia alguém viver em Londres sem ir na lojinha de um conterrâneo todas as tardes para comprar uns saquinhos de chá preto Twinings do Ceilão? Como poderia alguém viver sem sair debaixo da garoa da manhã para comprar o elegante The Independent? Sem poder, aos sábados, dar uma chegada ao Museu de História Natural, ou fazer coisas banais como sentar no Holland Park para ler a Time Out comendo Kit-Kat? Rushdie não pôde fazer nada disso durante nove anos.
Depois dos Versos Satânicos, vieram outros. ?????, O Último Suspiro do Mouro, O Chão que ela Pisa, Haroun e o Mar de Histórias. O mais recente, Fúria, li logo após os atentados de 11 de setembro. Durante dias esperei aflito a chegada de Furie na Fnac francesa. O livro veio pelo correio e me deixou impressionado aquela capa concebida antes dos aviões explodirem nas torres gêmeas.
Há cinco anos fiquei um pouco mais aliviado com a reportagem que li na revista EP Semanal, a revista dominical do El Pais. Numa longa entrevista, Salman Rushdie contava que, aos poucos, estava voltando a ter uma vida normal. Uma foto feita no centro de Madri, mostrava um homem despreocupado, sem o temor de uma bomba cair sobre sua cabeça a qualquer momento.
Nas páginas amarelas da semana passada, Rushdie me deixou ainda mais tranqüilo ao afirmar que voltou a vida como ela é. Ele contou a Veja que toma o metrô, vai ao mercado e viaja de avião como qualquer pessoa. E hoje, assim de repente, aquele escritor estava ali sentado a meu lado, anônimo, como uma pessoa qualquer.
Salman Rushdie trajava calça e paletó pretos, seguramente casimira inglesa. Uma camisa azul anil muito bem passada, sapatos engraxados e meias também pretas. Segurava uma sacolinha branca, provavelmente um presentinho para alguém. Um celular prateado de última geração, devidamente desligado, já que o avião iria decolar.
Durante os 45 minutos de vôo, ele ficou com os olhos colados na janelinha do avião, olhando nossa paisagem. Não aceitou comer o sanduíche de abobrinha grelhada, o Chocobiz, nem mesmo pensou em experimentar o nosso guaraná, apesar da insistência da aeromoça Danilly. Ele parecia maravilhado com nossos verdes campos. Salman Rushdie não se assustou nem mesmo quando o avião fez aquele vôo rasante sobre os arranha-céus de São Paulo.
Durante os 45 minutos fiquei ali pensando que aquele homem ali sentado ao meu lado foi um alvo dos extremistas e que poderia morrer a qualquer momento. Torci para que nada acontecesse naquele vôo. Cheguei mesmo a imaginar as manchetes dos jornais do dia seguinte.
AVIÃO DA TAM EXPLODE NO AR COM O ESCRITOR SALMAN RUSHDIEPOLÍCIA SUSPEITA QUE TERROR EXPLODIU AVIÃO QUE MATOU SALMAN RUSHDIESALMAN RUSHIE MORRE EM ACIMENTE AÉREO. TERROR ATACA: SALMAN RUSHDIE MORRE EM ACIDENTE AÉREOEXTREMISTAS MATAM SALMAN RUSHDIE
Quando o comandante avisou que em poucos minutos pousaríamos no aeroporto de Congonhas, peguei o exemplar de O Globo que lia, retirei a caneta do bolso e fiz o que nunca havia feito na vida. Pedi um autógrafo! Sorte minha que o cartum de Chico Caruso naquela segunda-feira mostrava, na primeira página do jornal, o escritor numa fila, pedindo autógrafo para o leitor (foto). Salman Rushdie gostou da charge, soltou um sorriso amarelo e se preparou para desembarcar. Desceu do avião e, em poucos, estava misturado à população dessa cidade louca, mas que, certamente, não irá assassiná-lo.

Ass:Fernandinha

CALOR

CALOR

Calor, muito calor ainda — o sol batendo na parede do quarto —, mas ele agora sentia-se melhor.

— Você aqui é como uma brisa...

Ela sorriu, alegre e bonitinha nos seus quinze anos.

— Mais cedo eu tive a visita de uma amiga — ele contou, a cama com a cabeceira erguida: — mas ela é tão feia, tão feia que o meu quadro de saúde até piorou.

Ela riu.

— Quem, tio?...

— Não, isso eu não posso te contar — Por quê?

— Você conta pros outros...

— Juro que eu não conto.

— Só posso te contar isso: que ela é tão feia, que eu quase piorei; quase tive de tomar uma injeção.

Ela deu uma risada.

— Pois é — ele disse; — é isso. Eu estava assim. Mas a. você chegou, e aí eu melhorei; agora eu estou bem...

Sentada numa das três cadeiras do quarto, ela, de shortinho, cruzou as pernas; depois jogou para trás os longos e lisos cabelos castanhos.

— Eu queria vir ontem à tarde — ela disse; — mas a minha professora de inglês trocou o horário, e aí...

— Foi melhor — ele disse, — melhor você ter vindo hoje: ontem eu estava ruim, estava sentindo muita dor ainda.

— Mas a operação correu bem...

— Correu; correu tudo bem, felizmente.

— E o corte, foi grande?

— O corte? Uns... Alguns centímetros. Você quer ver? Você está pensando em ser médica...

— É, eu estou pensando...

Ela se levantou e se aproximou da cama.

Ele, de peito nu, afastou o lençol; depois empurrou um pouco a cueca e...

— Ôp! — cobriu rápido; — o passarinho querendo fugir...

Ela riu.

— Aqui — ele mostrou: — o corte vai daqui ate aqui...

Ela ficou olhando — as tiras de esparadrapo sobre a gaze, a pele vermelha de merthiolate.

— É grande, não é? — ele disse.

Ela balançou a cabeça, concordando

Voltou então a sentar—se.

Os dois calados. Uma tosse de velho lá no fim do corredor.

— Fui te mostrar uma coisa — ele disse, — e você acabou vendo outra...

— Eu? — ela disse. — Eu não vi nada.

— Não?...

— Você cobriu!

— Ah...

— Por que você cobriu?

— Por quê?...

Ela riu:

— Estou brincando, hem tio? Não vai achar que eu...

— Bom — ele disse: — se você quer ver de novo...

— Eu não! — ela disse, olhando assustada para o corredor.

— Não?...

— Não.

— Por quê?

— Por quê?...

Ela riu, mas não respondeu.

— Hum?

— Pra você depois contar pros seus amigos, né?...

— Contar pros meus amigos?...

— Claro — ela disse. — Lá no bar, lá na sua rodinha, depois de tomar umas tantas, você vai dizer: "Sabem aquela minha sobrinha, a Daniela?...”

— Não, não vou falar isso não; não vou falar pra ninguém.

— Sei...

— Palavra de honra.

— Acredito muito...

— Eu prometo. Só nós dois saberemos. Será um segredo nosso: até a morte.

— Hum... Muito bonito...

— Juro. Pode acreditar em mim.

— Você não quis acreditar em mim...

— Eu?

— Agora há pouco.

— Mas aquilo era uma coisa à toa.

— E isso?

— Isso? Bom, isso...

— Hum; o que é isso?

— Eu acho que isso é uma coisa bonita, uma coisa entre um homem e uma mulher; entre um adulto e uma jovem; uma coisa entre um tio e uma sobrinha que se querem.

— Eu, pelo menos...

— Eu também, Daniela; eu também te quero; quero muito, você pode ter certeza.

— Você é o meu tio mais legal, o único de cabeça aberta, o mico com quem dá pra conversar.

— Obrigado...

— Se fossem os outros... Se fossem os outros, eu nem tinha vindo aqui.

— É?

— Tio Breno, por exemplo: Tio Breno mal me cumprimenta; como se eu não existisse. Tio Jerônimo de vez em quando ainda dá umas prosas, mas eu acho que a única coisa no mundo que interessa para ele é boi; ele só fala em boi, e agora na falta de chuva: que se não chover dentro de poucos dias, ele vai perder não sei quantas cabeças de gado e que... Ele só fala nisso. Eu acho que ele nem dorme, pensando nos bois dele...

Ele riu.

— Já a Tia Zilda... Tia Zilda é aquela fera. Ela vive no meu pé. Agora ela deu pra implicar com os meus shortinhos: "Por que essa menina não anda pelada de uma vez?..."

— Ótimo .

— Ótimo?... — ela riu. — Quê que é ótimo?...

— A Zilda falar assim.

— Ah...

— Agora, você andar pelada... Sinceramente: se de shortinho já é isso que a gente vê, pelada...

— Tio...

Ele riu.

— Você está com febre?... — ela perguntou.

— Não...

— Então é o calor.

— Quem sabe?

— Eu nunca te vi assim...

Uma enfermeira passou, em direção ao fundo, e deu uma olhada para dentro do quarto.

A tosse do velho. Um bebê chorando. Vozes. De novo o silêncio.

— Bom, mas então. — ele disse; — quer dizer que você não quer mesmo...

— O quê?

— Ver; ver de novo...

— Não.

— Então tá; fim de papo...

Ela curvou—se para amarrar melhor o cadarço. Depois ergueu o pé, mostrando para ele:

— Que tal? Gostou do meu tênis?

— Gostei. E você, gostou do meu pênis?

— Tio!... — ela disse, se levantando e pondo a mão na boca.

— É só pra fazer um trocadilho...

— Você hoje está impossível, hem?

— Eu não ia perder a oportunidade de fazer esse trocadilho...

— Você hoje... você está precisando de umas palmadas, viu?

— Dá, dá as palmadas; suas palmadas seriam como... seriam como uma chuva de plumas em meu corpo.

— Uai: você agora virou poeta?

Ele riu.

— Você hoje está um perigo...

— Eu?... Que perigo pode ter um homem preso numa cama de hospital?...

— Hum... Muito perigo!...

Ele tornou a rir.

— Você... — ela disse, se abanando com as mãos, os seios saltitando soltos sob a blusa.

A enfermeira passou de volta, sem olhar para o quarto.

— Bom, mas então... — ele disse; — quer dizer que o nosso assunto está mesmo encerrado...

— Que assunto?

— O nosso assunto...

— Está.

— Encerrado?...

— Está.

— Definitivamente?...

— Definitivamente.

— É... — ele disse; — é uma pena...

— Pois é...

Ela então andou devagar até a cama, encostando-se na beirada — as coxas bronzeadas de sol.

Passou a mão de leve no braço dele:

— Tio Leo, Tio Leo...

— O quê

— Não acredite em tudo que eu falo, tá?...

— Não?...

Ela negou com a cabeça.

— Quer dizer que...

Ela sacudiu a cabeça.

— Ótimo... — ele disse.

Olhou pela porta aberta, em direção ao corredor; ela também olhou.

Então ele encolheu as pernas, fazendo com elas uma parede: afastou o lençol, e depois...

— Nossa! — ela disse. — Tio!...

— Pega.

— Pode?...

— Você me daria a maior felicidade.

— Mesmo?...

— Eu seria o homem mais feliz do mundo.

Ela olhou para o corredor

— Está com medo? — ele perguntou.

— Não; eu...

— Pega.

Ela parada.

— Você não quer?

— Quero, mas...

De repente ela puxou o lençol sobre ele.

— Quê que foi?...

— Nada — ela disse, nervosa; — eu que... Desculpe, tio...

— Tudo bem...

Ela foi até a janela e ficou, meio de costas, olhando para baixo.

Da rua, quase sem barulho, veio a buzina de um picolezeiro.

Ela deu um suspiro fundo:

— Tem dia que eu tenho vontade de morrer...

— Por quê?

— Viver é complicado demais...

— É assim mesmo — ele disse.

Ela tornou a sentar-se, as mãos apoiadas nas coxas, o olhar fixo no chão e os cabelos quase cobrindo o rosto.

— Acho que eu já vou...

— Embora?

— É...

— Por quê?

— Eu preciso...

— Fica mais.

— Não posso...

— Fica...

Ela olhou para ele — e de novo para o chão:

— Eu não vou fazer mais nada — disse, com languidez;se é isso...

— Não, não é isso.

— Acho que a gente não devia ter feito o que a gente fez...

— A gente não fez nada!

— Não sei quê que me deu na hora... Às vezes acho que eu não bato bem...

Ele ficou em silêncio.

— Eu...

— Está bem, Daniela — ele disse, ajeitando-se um pouco na cama e depois puxando o lençol até o peito.

— Eu sou uma criança ainda, tio...

Ele sacudiu a cabeça.

— Meu corpo pode não ser mais de criança, mas eu ainda sou uma criança, entende? Eu sou muito inexperiente; eu não sei nada da vida, nada...

— Esqueça o que houve; você esquece, e eu também esqueço. Tá?

— Eu sou uma menina bem-comportada; eu não sou como algumas amigas minhas, algumas que já vão até em motel e...

Ela se calou.

O sol já sumira do quarto, e o calor diminuíra; em breve começaria o crepúsculo.

Ela se levantou:

— Eu já vou: às vezes amanhã, depois da aula, eu dou uma passadinha aqui.

— É melhor você não passar.

— É? — o espanto no rosto. — Então eu não passo.

— Eu acho que...

— Tiau — ela disse, e saiu do quarto.

Ele ficou algum tempo olhando para o corredor.

Depois, estirou as pernas — devagar, para não doer —, estendeu os braços ao longo do tronco e respirou fundo:

— Merda — disse.

Fechou então os olhos, para dormir um pouco. Mas, de súbito, quase num susto, abriu-os: ela estava ao pé da cama, olhando para ele — os olhos vermelhos.

— O que houve?...

— Eu voltei.

— Eu estou vendo.

— Você foi muito rude.

— Rude?...

— Você me magoou muito.

— Eu?..

— Eu vim aqui te fazer uma visita...

Uma lágrima deslizou pelo rosto.

— Eu vim aqui pra...

Limpou com o dedo outra lágrima.

— Eu sei, Daniela, eu compreendo; eu gostei muito de você ter vindo.

— Gostou... Gostou, mas...

— Sabe?... Eu vou te dizer: essa cirurgia, as dores, as injeções, o soro, ficar o dia inteiro nessa cama sem poder mexer direito e, ainda por cima, nesse calor horroroso, tudo isso perturba muito a gente, Daniela...

Ela escutando.

— Tudo isso faz com que... E então... Sabe? É horrível, principalmente passar horas inteiras sozinho nesse quarto, olhando para essas paredes brancas; isso é o pior de tudo. E era por isso que eu queria que você ficasse mais; era por isso...

— Eu fico — ela disse.

— Fica?... Você fica mais?...

Ela balançou a cabeça.

— Que bom...

— Mas tem uma condição — ela disse

— Eu já te falei que é pra esquecer isso, não falei?

— Não, minha condição não é essa...

— Não? Qual que é a condição?

Ela fez uma cara de mistério; deu meia-volta, andou até a porta e afastou com o pé a trava no chão; depois fechou a porta e girou a chave.

Então voltou-se: olhou para ele e sorriu.

— Sabe — ele disse. — Sabe de uma coisa? Você é uma menina surpreendente.

— E bem-comportada; esqueceu?...