Quando sentei aqui no computador para escrever uma crônica sobre os 70 anos do cantor e compositor baiano Tom Zé lembrei com os meus botões que Gilberto Gil disse um dia que não havia mais nada a dizer sobre o luar. Então pensei com os meus botões: será que eu ainda tenho alguma coisa a dizer sobre Tom Zé, o outro Tom?
O primeiro artigo – “O brilho da antiestrela” – escrevi em 1986 quando ele, esquecido, comemorava os seus 50 anos. Foi um artigo de página inteira no Caderno 2 do “Estadão”. Lá eu derramava elogios ao genial inventor injustamente colocado para escanteio.
Lá, contava muitas histórias sobre ele. Histórias de quando Tom Zé ainda se chamava Antônio José Santana Martins e entrou em cena pela primeira vez lá na Bahia para participar de um programa de calouros chamado “Escada para o Sucesso”. Só pra chatear cantou a música “Rampa para o Fracasso” − e foi um sucesso.
Contava a história de quando o vi pela primeira vez na televisão ainda em preto e branco. Ele tinha 29 anos de idade, muitas idéias na cabeça e nas mãos uma Viola de Ouro, o prêmio máximo do Festival da Record. Acanhado e atônito, ele dizia simplesmente : “Estou com saudade da minha mãe ... muita saudade da minha mãe!”
Contei que ele saiu dali do Teatro Record, comprou um Simca Chambord e danou a andar pelas ruas da maior cidade da América do Sul, escutando a todo momento no rádio do carro o seu grande sucesso que dizia assim: “São 8 milhões de habitantes/ De todo canto e nação/ Que se agridem cortesmente/ Correndo a todo vapor/ Amando com todo ódio/ Se odeiam com todo amor/ São São Paulo meu amor”.
Terminava o artigo contando que Tom Zé iria comemorar os 50 anos com um show bem simples no Teatro Caetano de Campos, na Praça da República, e que o ingresso custava 8 cruzados. Disse ainda: “Você vai ver o aniversariante comemorando meio século com a música “Só”, que é a sua cara : “Na vida quem perde o telhado / Em troca recebe as estrelas”.
Era o caso de Tom Zé .
Depois disso veio o convite para ele fazer uma crônica semanal para o Caderno 2, o que ele cumpriu com uma pontualidade britânica. Muitos anos depois, sentado na sala da sua casa, meus olhos encheram de lágrimas quando ele me revelou que naquela época a crônica que publicava no Caderno 2 era tudo na sua vida. Acordava toda terça-feira bem cedinho e corria até a banca da esquina para comprar o “Estadão” e ver ali suas palavras impressas, ainda cheirando tinta.
Amizade feita, confesso que ir à casa de Tom Zé passou a ser um dos grandes prazeres que tenho. Ele nunca pegou o violão e cantou nada pra mim. É só conversa, conversa que não acaba mais. Um dia fui lá comer com ele e a mulher, Neusa, uma abóbora à moda baiana que nunca mais me esqueci.
Passar uma manhã na casa de Tom Zé é não ter vontade de ir embora nunca mais. São tantas as histórias que ele conta e um outro tanto que sempre fica para a próxima visita que dá vontade de, do elevador, voltar e sentar novamente.
Gosto de ficar ali observando dependurada na parede da sala uma foto numa moldura oval: Tom Zé recém-nascido vestindo uma camisolinha branca, coisa que usava muito há 70 anos. Gosto de ver o vai-e-vem das maritacas que pousam na janela do seu apartamento fazendo a maior algazarra. Ele coloca comida para as aves que vivem soltas mas fazem questão de visitá-lo todos os dias.
Numa dessas visitas que fiz a Tom Zé descobri que ele guarda em casa fotografias da minha neta Flora. De tempos em tempos ele me cobra uma mais recente. Ele cobra e muitas vezes fico na promessa. Mas hoje prometo que vou mandar uma novinha em folha como presente de aniversário. Afinal de contas , Flora está fazendo 9 anos e Tom Zé 70. A diferença é muito pouca .
Escrevi tudo isso e esqueci de contar que Tom Zé está lançando disco novo. O título é “Danç-Êh-Sá”. O primeiro subtítulo é “Dança dos Herdeiros do Sacrifício”. O segundo, “7 Caymianas para o Fim da Canção”. Quem mandou Chico Buarque dizer que a canção acabou? O novo disco de Tom Zé é sem palavras. Pra que palavras para um bom entendedor?
ana luiza
terça-feira, 27 de outubro de 2009
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